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Seja conflitante, seja harmoniosa, a relação entre as máquinas e a imprevisibilidade ganha representação na Galeria Nara Roesler com a individual do duo mineiro O Grivo, formado por Nelson Soares e Marcos Moreira. Quatro instalações sonoras e um vídeo unem-se a obras criadas especialmente para a exposição. A dupla vai apresentar também uma performance de improvisação musical na abertura.

 

Nela, uma série de máquinas sonoras híbridas funciona tanto automaticamente (com motores) como a partir da manipulação de manivelas. Através da amplificação feita com captadores de contato, os sons emitidos são transformados por filtros, efeitos e sintetizadores manuseados em tempo real. Aos músicos, cabe configurar e ajustar a textura sonora improvisando sons com a manipulação das manivelas. Estabelecida certa ambientação, a tração das máquinas passa para os motores, fazendo-as funcionar sem a ação dos músicos, que passam a espectadores da configuração sonora feita por eles. As intervenções dos artistas voltam a acontecer várias vezes no decorrer da abertura da exposição; entre elas, a música fica por conta das máquinas.

 

a exposição

Nos trabalhos da dupla, a função mecânica, organizada por meio da tecnologia, é subvertida pela imprevisibilidade do efeito, em que a acústica tem papel preponderante. O elogio à máquina ora se choca, ora se confunde com o flerte com a indeterminação e o inesperado.


Como no texto da dupla: "as peças sonoras aqui expostas conversam de forma incisiva com o ritmo. Assim, as sequências (rítmicas) se estabelecem tanto através do movimento propiciado pelo mecanismo de máquinas, como da composição. Observando as regras rítmicas e a combinação entre elas, ficamos livres para fazer combinações sonoras. E desse modo, quem sabe, a música possa aparecer em meio a esse encadeamento. Em certa medida, seguimos a linha, que por sua vez está atada por vários nós".

A pluralidade de elementos utilizados para repercutir sonoridades diversas e inusitadas constitui boa parte dos trabalhos. É assim em Conta Gotas (2013), instalação em que diversas buretas (tubos de vidro graduados com torneiras) e cilindros de vidro produzem frequências sonoras diferenciadas entre si pelo som de gotas d'água batendo no próprio tubo, no líquido acumulado no fundo ou em objetos instalados no interior de alguns desses artefatos.

 

Em Engrenagens (2013), o mesmo processo de variação sonora ocupa toda uma sala da galeria com peças de madeira, bambus, eixos, polias, correias e linhas que, articulados entre si, produzem sonoridades de duas ordens: a primeira se dá pela fricção de hastes de metal em superfícies também metálicas; o atrito das polias contra as estruturas de madeira nelas apoiadas dá origem à segunda ordem. Com o ligar e o desligar automático dos mecanismos de movimentação das peças em andamentos variados, há uma orquestração sonora imprevisível a cada nova combinação.

 

O elemento tecnológico é o cérebro artificial que comanda a emissão de som em Máquina de Luz (2013). Como em uma caixa de música (cujas notas são soadas com a percussão de tiras metálicas por saliências em um cilindro giratório), na versão da dupla mineira é a interrupção de feixes de luz por quatro engrenagens girando vagarosamente que transmite ao computador o sinal para a emissão sonora. São criadas assim quatro pequenas peças com sons acústicos e eletrônicos, que dialogam com conceitos como fragmentação, tempo, pulso, timbre, melodia e harmonia.

 

Máquina de Arco também tem seu som manipulado pelo computador. O som invariável e contínuo produzido pela vibração da corda de um violão por um arco de violino é processado pelo computador e ganha tradução em filtros, efeitos e sintetizadores, a cada 8 minutos. O resultado, somado ao som monocórdio, é propalado em caixas de som espalhadas pelo ambiente, trazendo à tona questões de escala de percepção auditiva: o “mínimo” que se agiganta com a atenção, com o tempo e com a dilatação da percepção que o jogo com o silêncio produz.

 

O primeiro vídeo produzido por O Grivo ganha exibição com nova trilha sonora. Intitulado “Retrocesso” e produzido originalmente há cerca de 15 anos, traz stills de uma velha máquina de escrever Remington. Em planos fechados, vão se formando jogos visuais ora geométricos, ora simbólicos, pelos enfoques distintos dos ícones das teclas, entre as quais a de retrocesso. O filme já abordava temas caros à dupla.

 

inéditos

Dos trabalhos criados especialmente para a mostra na Galeria Nara Roesler, está Quatro Discos. Segundo a dupla, aqui acontece novamente a ideia de repetição de uma sequência sonora como numa caixa de música. Mas, de maneira diversa desses artefatos milimetricamente executados, em Quatro Discos a realização das peças se deu numa oficina, caseira, de forma artesanal, deixando nelas as marcas da imperfeição que a mão humana produziu no ato de construí-las. "E contudo, foi essa mão que deu forma à máquina. O que cabe ressaltar é que, apesar de todas as imprecisões, a obra é precisa no que se refere à repetição da sequência. As imperfeições se repetem milimetricamente, no movimento maquinal do disco", define Marcos Moreira.

 

Máquina Desenho, segunda obra inédita da mostra, é constituída de dois grandes cilindros de lâminas de cedro, completados por câmera de vídeo, projeção e caixas de som. Desenhados sobre os cilindros de madeira, que giram em sentidos opostos, há dois sistemas de notação: o primeiro com pontos e o segundo, linhas. Esses sistemas são lidos pela câmera de vídeo em tempo real e interpretados como notação musical. O primeiro ativa sons e padrões de ritmo de uma biblioteca de staccatos (sons de curta duração cuja representação gráfica mais primária é o ponto). O segundo controla parâmetros musicais como intensidade e gradação de filtros aplicados aos staccatos (reverberação, atraso, filtro de frequência, etc.). Os desenhos aplicados aos cilindros produzem uma música indeterminada a partir de uma série de combinações possíveis que são organizadas a priori.

 

A imagem captada do movimento dos desenhos e dos cilindros que as suportam, além de ser interpretada e produzir os sons (como uma caixa de música), é projetada em escala aumentada. Esse zoom do que acontece em escala menor sob a câmera se relaciona com o convite a uma escuta atenta e minuciosa dos sons e das relações entre eles.

 

Ainda nas palavras de Moreira, "a convivência com tecnologias de distintas épocas é uma das características dos dias de hoje. Quando, em uma visita a Berlim, me encantei com a velha locomotiva que funcionava a pleno vapor junto a trens de última geração, constatei que a velha máquina nada devia à moderna e que ambas tinham seu fascínio. No campo da arte, onde procedimentos e objetos obsoletos são reinventados, recontextualizados, ressignificados, muitos trabalhos trazem novas visões para antigos instrumentos".

 

"Instaura-se dessa maneira um ambiente de troca e, por vezes, de convívio entre o passado e o presente. No ensejo de fazer com que o precário se relacione com os meios digitais, cada uma das unidades rítmicas associa-se a um som. A orquestração e as variações desses sons são trabalhadas de forma musical. O uso da aleatoriedade relacionado aos parâmetros musicais e aos sons faz com que a repetição se reinvente a cada momento e se transforme em texturas muitas vezes imprevisíveis. Uma música de ritmos incertos e timbres digitais."

Vistas da Exposição

vista da exposição