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Uma das mais importantes artistas em atividade, a centenária nipo-brasileira Tomie Ohtake mostra sua produção recente na terceira exposição produzida pela Galeria Nara Roesler Rio de Janeiro. Uma nova forma de explorar a monocromia é o que se vê nas pinturas ainda inéditas, que ocuparão o espaço localizado em Ipanema.

 

Tomie Ohtake é a expressão máxima da abstração informal, avessa ao construtivismo, em que o silêncio e o ritmo extraídos do minimalismo, mesmo quando usa a geometria, erradicam a percepção assertiva da tradição brasileira nesse gênero.

 

Seja por pinceladas aparentemente caóticas que tornam os elementos quase mesclados ao fundo, seja na concisão do gestual quase invisível em figuras que sobressaem na monocromia ou bicromia, a artista consegue imprimir subjetividade e sutileza em seus trabalhos.

 

Na obra de Tomie, a pesquisa é pela possibilidade pictórica de surpreender o olhar. A materialidade que surge na densidade da tinta e no registro da pincelada visível não é determinista, tampouco dominadora. É, antes, a expressão da relação do olhar com o mundo.

 

Segundo Paulo Myiada, em seu texto para a mostra, "encontramos, por exemplo, uma tela quadrada, toda preenchida por texturas feitas com massa pigmentada, dentro da qual enxergamos uma forma arredondada, mais ou menos quadrada, inclinada na composição. Viramos um pouco para o lado e olhamos de novo para a tela, agora para enxergar um volume comprido mais ou menos oval, inclinado do canto direito para o canto esquerdo da tela. Então, um passo atrás, mais um desvio de olhar, e não reconhecemos mais nenhuma forma proeminente (...)".

 

"Frente a uma mesma tela, portanto, o observador pode ficar em dúvida sobre o que está vendo, oscilar entre um polígono e uma mancha, como oscila aquele que olha para a boca da Monalisa". Se na relação entre fundo e superfície, pincelada, volume de tinta e cor, a artista já explorava o trompe l'oeil, com o uso da monocromia ela potencializa esse efeito, a exemplo do que já vinha sendo apontado pelas séries exibidas na sede da galeria, em SP, no ano passado.

 

Sobre a mostra de 2013, Agnaldo Farias escreveu: "A busca persistente da purificação, do desbastamento de tudo quanto seja supérfluo, reduzindo sua expressão ao estrito para obter o registro mais elevado, afigura-se como principal ensinamento que a extensa trajetória de Tomie Ohtake oferece à arte brasileira (...)". Agora, a artista desafia a questão da percepção visual, com suas sutilezas e seus enganos, de forma atual dentro de sua trajetória. Consegue ir além em termos de economia de elementos para o máximo de efeito visual, em que nada parece ser definitivo e tudo muda de acordo com o ângulo de observação.

"Os cegos agora somos nós, que precisamos apalpar a pintura com a ponta dos olhos. A pintura, então, ganha sentido háptico, quer dizer, qualidade tátil. Não é algo inédito na história da pintura, mas o motor de Tomie Ohtake não está nesse tipo de novidade: trata-se de um jogo com o espectador que abre novas possibilidades de experimentação pictóricas para uma obra que segue se renovando há mais de seis décadas, e isso mobiliza a artista a continuar trabalhando", diz Myiada. Centenária, a artista não para de produzir e de se reinventar, mantendo aceso o debate pictórico na arte brasileira.